A música morreu. Não no dia 11 de setembro de 2001, mas no dia 3 de fevereiro de 1959. Pelo menos é isso que canta Don McLean em American Pie. Escrita em 1971, a canção trata da morte prematura de Buddy Holly, The Big Bopper e Ritchie Valens - três astros do rock norte-americano da década de 50 que perderam a vida em um acidente aéreo.
McLean imortalizou o trágico evento na forma de uma canção pop-folk de mais de oito minutos de duração. American Pie, regravada pela popstar Madonna, ficou em primeiro lugar nas paradas dos EUA durante um mês. Da noite para o dia, McLean se transformou em um milionário.
Bruce Springsteen fez quase igual. Foi apenas mais rápido. The Rising, lançado em julho de 2002, menos de um ano após os incidentes de Nova York, funciona como um tratado musical sobre os eventos de 11 de setembro. Além de marcar a volta da parceria com a E Street Band, o álbum coloca o cantor e compositor de volta no papel em que ele melhor ocupou durante boa parte de sua carreira: a de cronista do povo norte-americano. Até agora, The Rising já vendeu milhões de cópias pelo mundo e Springsteen chegou até a ser capa da revista Times. Claro, os bons riffs de guitarra e as letras contundentes que permeiam o álbum ajudaram muito para o sucesso.
LUCRO NA TRAGÉDIA
Outro que se deu bem com os ataques sofridos pelos EUA foi o cantor de música country Toby Keith. Quase desconhecido do público brasileiro, Keith foi ainda mais rápido. Um mês após o ataque terrorista, ele lançou o álbum Unleashed. Em uma das músicas, ele canta: Suckerpunch came flying in from somewhere in the back/ We will put a boot in your ass/ It´s the american way. (um soco idiota veio voando de algum lugar pelas costas/ Nós iremos te dar um chute na bunda/ Esse é o jeito americano, em tradução livre). Apenas na semana de lançamento, o álbum vendeu 338.000 cópias.
Neil Young também foi rápido - só não conseguiu um bom retorno financeiro. Normalmente recluso, o experiente roqueiro saiu do seu rancho para cantar a sua indignação. Let´s Roll, o manifesto sobre os eventos que mudaram o mundo, foi entregue às rádios antes mesmo da gravadora autorizar. Mas além do aspecto imediatista - e de um riff que lembra o pub-rock de Ian Dury -, ela tem pouca coisa de especial.
Se os velhos roqueiros reagiram enfrentando a situação, a geração mais nova tratou apenas de não interferir. Os nova-iorquinos dos Strokes, tocados com a morte dos policiais (ou com medo de provocar revolta entre os oficiais mortos na queda da torres), tiraram a música New York City Cops da versão norte-americana do álbum. Na canção, Julian Casablancas diz que os tiras de nova iorque não são muito espertos.
Outro que preferiu não dar a cara pra bater foi o grupo escocês Primal Scream. Famoso por seu discurso engajado e um som um tanto quanto energético, a banda resolveu tirar do álbum uma música intitulada Bomb The Pentagon.
Moby também seguiu um caminho parecido. O cantor, que curiosamente faz aniversário no dia 11 de setembro, mudou os versos da música Sleep Alone. Antes do ataque, o refrão dizia:Pelo menos nós morremos juntos/De mãos dadas voando pelo céu. Na versão revisada, virou: Pelo menos nós estávamos juntos/De mãos dadas voando para o céu.
É O FIM DO MUNDO QUE CONHECEMOS
Mas não foi apenas assim que a música reagiu aos atentados de 11 de setembro. De maneira mais rápida do que os artistas acima, a indústria do entretenimento começou a mexer seus pauzinhos. Quase instantaneamente, rádios norte-americanas começaram a banir canções da sua programação. Qualquer letra que remetesse ao acontecido ou que tivesse um certo baixo astral foi tirada da programação. Até metáforas foram consideradas perigosas. A enorme lista incluiu Imagine (John Lennon), Learn To Fly (Foo Fighters), Lucy In The Sky With Diamonds (The Beatles), Ruby Tuesday (The Rolling Stones) e Its the End of the World as We Know It (R.E.M.). Bruce Springsteen teve três canções na lista. Até American Pie foi banida.
Outro efeito quase imediato foram os cancelamentos de turnê. Artistas americanos, amedrontados com os perigos de um voô internacional, adiaram shows ou, simplesmente, devolveram o dinheiro de quem já tinha ingresso. Weezer, Janet Jackson, Ben Folds e até os malvados mascarados do Slipknot ficaram com medo de cruzar o atlântico de avião.
HINO DO ATENTADO
Desde a queda do World Trade Center, a cena musical de Nova York está a pleno vapor. Novas bandas surgem a cada semana. E a música, normalmente raivosa, que sai das guitarras dos nova-iorquinos pode ser o reflexo da tensão infiltrada nas ruas da cidade desde setembro do ano passado. Por isso, ouvidos atentos. Muita coisa boa ainda está para vir.
Medrosa, banida, modificada, lucrativa, acanhada, corajosa, tocante ou raivosa, a música pós-atentado, assim como as outras formas de expressão artística, parece ter seguido um percurso normal. Seus efeitos mais imediatos já foram sentidos. Mas, mesmo com artistas imortalizando o evento e refletindo o estado de espírito de toda uma geração, nenhuma canção conseguiu resumir o que todos nós estamos sentindo. O grande problema é que não estamos sentindo a mesma coisa.
Por: Tuany Dutra
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